Dano moral de baixo valor não contribui para frear ganância

Entre os anos de 1993 e 2004, no Superior Tribunal de Justiça, o número de ações reclamando danos morais cresceu de 28 para 8201; nos outros tribunais e na primeira instância deu-se o mesmo fato que não é estranho diante do novo conceito de cidadania consubstanciado na conscientização da responsabilidade civil inserida na Constituição Federal, em 1988, no Código de Defesa do Consumidor, em 1990 e no Código Civil, em 2002. Os desatinos do Estado têm contribuído sobremaneira para esta ampliação, fundamentalmente em função da teoria do risco.

A despeito dessas leis, as empresas não se adaptaram aos novos tempos e caminham por conta própria, violando a Constituição e ignorando os direitos assegurados pela lei consumerista e pela lei civil. Retiram dos armários os contratos de adesão com as mesmas cláusulas reconhecidamente abusivas e apresentam ao cidadão sequioso pelos produtos, anunciados em forte marketing; tratam o assunto como se fosse uma mercadoria, na qual se perde no varejo, mas se ganha no atacado, ou seja, poucos consumidores reclamam e muitos aceitam as imposições das empresas. É que ao consumidor só existe a opção de aceitar o que está escrito para obter o bem ou serviço procurado.

Nos referidos contratos, continuam cobrando multa de 10% e juros estratosféricos; insistem em inserir, sem aviso prévio, o nome do consumidor no cadastro de maus pagadores; interrompem serviços essenciais; impõem cláusulas abusivas no contrato a exemplo da fidelidade, dos encargos não admitidos pela lei; não concedem abatimentos a pagamentos antecipados; jogam no mercado produtos com peso abaixo do prometido, com defeitos, etc.

Para acabar com tais abusos só resta ao consumidor o recebimento de boa prestação jurisdicional, pois os órgãos administrativos, Anatel, Anvisa, Aneel etc., incumbidos de fiscalizar os serviços delegados, não demonstram maior interesse em fazer respeitar o direito do consumidor com enfrentamento dos grupos econômicos.

A ação de indenização por danos morais tornou-se a forma mais correta de punir os exploradores da boa fé do cidadão. Daí o incremento deste tipo de ação, mais pelo descaso das empresas do que por desejo do consumidor que gostaria fosse respeitado seu direito sem necessidade de recorrer à justiça. E o consumidor não deve intimidar-se com afirmações do tipo, banalização da ação de danos morais, mas buscar o Judiciário para reclamar seus direitos.

O dano moral foi erigido à categoria de garantia fundamental através da Constituição de 1988, art. 5º, incisos V e X e pelo CDC, inciso VI, art. 6º. Antes nenhum diploma legal tratava do assunto.

O dano moral tem sido conceituado de várias formas, mas prevalece o entendimento de ser a violação ao sentimento interior do indivíduo com ele próprio e com a sociedade. Portanto, eventual lesão não patrimonial que viole a intimidade do cidadão é passível de reparação em dinheiro. Os tribunais entendem que o dano moral não exige prova, salvo a comprovação “do fato que gerou a dor, o sofrimento”... A caracterização do dano reside no nexo causal entre o ato ilícito e os fatos narrados.

A fixação do valor dos danos morais é matéria bastante polêmica e de competência do julgador que sopesará as condições econômicas das partes, a repercussão do fato, a constância da empresa na prática da lesão e outros elementos. Na verdade, a condenação tem sido bastante módica, sob invocação do impedimento de enriquecimento ilícito; todavia, para fixação do valor, não se deve considerar somente este item, mas equilibrar o não enriquecimento ilícito para o agredido com o choque no patrimônio do agressor. A capacidade financeira do causador do dano não tem sido bem considerada para fixação do valor. É que as empresas preferem pagar os parcos valores arbitrados pelo Judiciário do que se adequar às exigências do Código de Defesa do Consumidor.

Já aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal projeto de lei para tabelar o valor das indenizações. Dividiram-se os danos morais em leves, condenação de até R$ 20.000,00, médios, de até R$ 90.000,00, e graves, de até R$180.000,00. A proposta é questionada em sua constitucionalidade, porque fere o princípio da proporcionalidade, ou seja, impede a avaliação da gravidade de cada caso, a extensão de suas conseqüências e o poder econômico do agressor.

Ainda sobre o dano moral, o Projeto de Lei n. 10.406 de 10/01/2001 acrescenta parágrafo ao art. 944 do Código Civil com a seguinte redação:

Parágrafo 2º - A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante.

Enfim, o parâmetro para a fixação do valor da indenização por dano moral deve ser “nem tão insignificante que não importe em sacrifício para o causador do dano, ou tão elevada que resulte em enriquecimento para a vítima”. O posicionamento dos juizes, arbitrando pequenos valores não tem contribuído para frear a ganância das empresas.

Necessária reflexão para que o refrão “enriquecimento ilícito” não seja prêmio aos instintos perversos dos agressores.

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